Os comunistas na TV<br>– hoje como ontem<br>a discriminação
Iniciado um novo ano, por sinal ano de eleições, o panorama que a nível de pluralismo no comentário político os canais generalistas de TV nos oferecem é verdadeiramente singular – no sentido literal do termo. Com presença semanal certa e a dia certo, em horário nobre, dir-se-ia que enquanto comentadores oficiais do canal, temos Marcelo de Sousa na TVI, Marques Mendes na SIC e Nuno Morais Sarmento na RTP1. Cada um com o seu estilo, cada um com a sua lógica argumentativa, mas os três, ainda que seguindo o seu próprio itinerário, visando levar a água ao mesmo moinho: todos são conhecidos pela sua carreira política em lugares de alta responsabilidade no PPD/PSD ou em sua representação, todos são presumíveis candidatos a uma carreira política mais activa, dentro do partido ou fora dele.
Na sua brutal crueza esta realidade sintetiza (quase) tudo o que seria necessário dizer para ilustrar a resposta a duas simples perguntas: qual a matriz político-ideológica do poder que está por detrás do poder da televisão? A que tipo de opiniões sobre a actualidade política têm acesso os mais de três milhões de portugueses que vêem os jornais televisivos? Acrescentem-se três pormaiores: em causa não está aqui apenas a TV, mas a generalidade dos principais media informativos, onde a situação é semelhante, seja na imprensa, na rádio ou na net; no que se refere estritamente às afinidades partidárias, o panorama nos canais informativos daquelas três estações (SIC Notícias, TVI 24 e RTP informação, só acessíveis no cabo) é um pouco diferente, mas deixa praticamente de o ser se tivermos em conta o amplo predomínio dos comentadores que se movem no quadro da social-democracia; e, de qualquer modo, o facto é que as audiências dos três canais generalistas se medem na casa das (muitas) centenas de milhares de telespectadores, e a dos noticiosos na das (muito poucas) dezenas de milhares.
Entretanto, no início deste ano a RTP Informação anunciou a introdução de um comentário político diário. Houve quem supusesse que a RTP, concessionária do serviço público, lembrando-se das suas obrigações de pluralismo, claramente expressas no contrato de concessão, viesse de algum modo «corrigir» o despudor do canal 1 – ainda que sem nunca o conseguir, visto a audiência deste ser dez vezes superior. Por exemplo, adoptando o critério da vizinha Antena 1, que nas suas manhãs informativas tem em cada um dos cinco dias de semana um comentador de um dos cinco maiores partidos parlamentares.
Ilusória suposição. Os cinco comentadores escolhidos foram, de 2.ª a 6.ª f., Carlos César, presidente do PS, Marco António Costa, coordenador da comissão política nacional do PSD, Rui Moreira, candidato independente eleito presidente da Câmara do Porto com o apoio do CDS, Carvalho da Silva e Nuno Melo, vice-presidente e deputado europeu do CDS. Dois factos saltam à vista: a repetida ausência de um representante do PCP e a importância dada ao CDS, sobrevalorizando um partido cujo protagonismo mediático, com a consequente rentabilidade eleitoral tem assentado (para além de outras sinuosas razões para as quais não cabe agora aqui abrir portas…) na presença nos governos, primeiro com o PS e depois com o PSD, por meros interesses eleitorais destes partidos.
«A desvantagem do PCP é notória!»
Evocar o passado é sempre instrutivo. Há pouco menos de duas décadas um leitor do Público questionou o respectivo Provedor acerca da «deficiente» cobertura fotográfica feita no diário a militantes e dirigentes do PCP, «contrastando com o que se passa no tratamento dado a outros partidos»1. Para fundamentar a sua resposta («Dirigentes sem rosto», Público, 6.4.1997) o Provedor, na altura o jornalista Jorge Wemans, procedeu a uma análise comparativa dos espaços dedicados ao PCP e ao CDS/PP (justificou a escolha deste partido pela sua semelhante dimensão parlamentar) nas secções de «Política» e de «Sociedade» durante um mês (Março de 1997), tendo chegado aos seguintes resultados:
«O PCP (incluindo a CDU) foi objecto de 18 notícias (três das quais sob a forma de breves); em contrapartida, o CDS/PP mereceu 34 notícias (10 breves). Fotograficamente: nas quatro vezes que foram ilustradas notícias sobre o PCP, Carlos Carvalhas fez o pleno (numa das quais acompanhado por outros dirigentes do partido); nas 13 vezes que se ilustraram textos sobre o PP a situação é mais variada: Manuel Monteiro (então líder) teve direito a oito fotos, três outros dirigentes surgiram em edições diferentes e dois textos sobre o partido foram acompanhados de fotos sobre o tema da notícia sem a presença de nenhum dirigente.» E o Provedor conclui: «A desvantagem do PCP é notória!»
Com base na amostra de um mês, o Provedor do Leitor do Público conclui que o PCP é discriminado, na medida em que «é menos vezes fonte de notícia do que o PP». Mas Jorge Wemans preocupou-se também em averiguar as causas dessa discriminação. Em sua opinião, «o PCP é prejudicado por três ordens de razões»: em primeiro lugar, «não desenvolve uma política de protagonismo e exposição individual dos seus dirigentes»; em segundo lugar, «não expõe na praça pública questões de estratégia que dividem a sua direcção»; em terceiro lugar, as suas iniciativas políticas e sociais «não constituem surpresa face ao seu passado». Ora, finaliza ele, como «protagonismo, divergência de opinião e surpresa são factores de acrescida atenção informativa e, superlativamente, de registo fotográfico», percebem-se assim as razões de uma menor quantidade de notícias sobre o PCP.
«Sistematicamente sub-representados»
As conclusões do Provedor levantam questões que, mesmo tendo em conta a altura em que foram feitas e o tempo que passou, mereceriam um comentário desenvolvido e aprofundado. Mas o que agora e aqui interessa sublinhar é como, passado todo este tempo, as coisas não se alteraram no essencial. Azeredo Lopes, presidente entre 2005 e 2011 da Entidade Reguladora da Comunicação (ERC), ouvido pelo diário i, em 26 de Setembro último, a propósito de as eleições primárias no PS terem «secado» nos noticiários os outros líderes partidários, declarou, em certo passo da sua resposta: «No caso dos comunistas, desde que passei pelo regulador que considero que estão sistematicamente sub-representados, embora se possa dizer que têm, depois, representação indirecta pela CGTP, mas não é a mesma coisa».
A verdade é que, hoje como ontem, o problema de fundo permanece. A discriminação do PCP – da sua acção, da sua intervenção na sociedade, das suas opiniões, das suas propostas – continua a ser uma realidade, seja através do silenciamento, da deturpação ou de outras várias formas. E hoje como ontem, personalidades insuspeitas ligadas à comunicação social dizem aquilo que outros, que gostam de se proclamar de esquerda e de se arvorar nos grandes defensores das liberdades, fingem não ver nem perceber.
1 Referimos e comentámos este facto no livro Jornalismo e Sociedade, edições Avante!, 2000, pp. 97 a 100.